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Meritocracia Integral

Atualizado: 8 de mai. de 2020

Por Wanderlei Passarella - Diretor Executivo na Synchron & Celint


Artigo | Meritocracia Integral

"Não há verdadeira evolução pessoal e profissional sem o mérito!"

Mérito é sinônimo de préstimo ou valor. É aquilo que faz com que uma pessoa seja digna de reconhecimento ou recompensa por uma ação que traz resultados de grande valor, entendidos estes dentro de uma escala de princípios éticos e com reflexo para uma parte ou para o todo da comunidade humana.

Há certo consenso de que aplicar o conceito de mérito, nos negócios e no ambiente empresarial é algo que ajuda no processo de obtenção de resultados e de transformações estratégicas rumo a um futuro desejado. Assim como pode trazer um equilíbrio na distribuição de reconhecimento aos que mais se empenham na luta pela transformação construtiva.

A palavra meritocracia, por outro lado, vem sofrendo um desgaste recentemente. Há os que defendem o desuso do termo. Há os que colocam a sua utilização como uma atividade injusta e enviesada. A principal justificativa para isso seria que não se pode falar de mérito onde há grandes desigualdades. Em sociedades muito díspares, como a nossa, de fato a escolha das melhores funções ou dos maiores benefícios por meio do mérito individual traz uma injustiça embutida. Mas, aqui, este argumento troca causas por consequências, parte de premissas erradas para chegar a conclusões razoáveis, à moda do que faziam os sofistas na Antiga Grécia. Porque se o problema é a desigualdade, é ela que deve ser saneada e não o conceito de mérito. Isso equivale a alguém que come acima da conta e depois critica o consumo de água: “água faz mal, dilata o estômago”. Nesse caso, o que precisa ser modificado é o ato de comer demasiadamente, e não a água em si, fonte de vida! Há, ainda, o argumento das diferenças naturais entre as pessoas. Alguns nascem melhor equipados (um corpo mais forte, um cérebro mais rápido, etc) e, assim, é injusto na sociedade equipara-los na disputa pelas melhores posições da sociedade. Sim, mas aqui também não se justifica que se coloque um sobrepeso para os mais bem dotados para diminuir a desigualdade natural. O que precisamos é que quem tem maiores aptidões possa contribuir mais, de alguma forma.

Mesmo no ambiente organizacional, há um desgaste da meritocracia, devido a alguns fatores:

1. O abuso por parte de alguns chefes: é comum a utilização da avaliação de mérito (ou desempenho) para tentar manipular, dissuadir, impor certas condutas. Os que assim o fazem, agem sem equilíbrio e colocam o sistema a perder.

2. A dificuldade de julgamento: sempre que se busca justiça, acaba-se com algum tipo de julgamento. Embora todos eles possam ser falhos, pior é prescindir deles. Por haver dificuldades no julgamento de mérito, então resolvem aboli-lo.

3. O “Paradoxo da Objetividade”: como forma de contornar as dificuldades do item 2, alguns defendem que a avaliação de mérito deve ser objetiva, mensurável e prática. Ok, quanto mais objetiva, mais simples. Porém, isso leva a um estímulo da ação utilitarista, em que os “fins justificam os meios”. Já que são objetivos mensuráveis e isentos, há uma tendência a consegui-los por meios nem sempre construtivos (o que vale é o número atingido...). Isso pode criar uma atmosfera de baixa cooperação, culminando com o desmoronamento do respeito, da ética e do espírito de equipe.

4. As “Curvas Forçadas”: outros se empolgam tanto com a meritocracia que instituem curvas forçadas de avaliação de desempenho, em que a posição relativa do todos em um ranking realça os “melhores” e os “piores” (estes podem até perder o emprego). Novamente, a meritocracia descamba para as consequências ruins relatadas no item 3 acima.

Mas, será que tudo isso é suficiente para justificar a abolição da meritocracia? Vejamos o que nos dizem alguns dos grandes mestres da filosofia e da sabedoria. Voltaire, numa frase célebre, já colocava que “a verdade, tal qual o mérito, atrai o ódio dos contemporâneos”, numa clara alusão de que é mais cômodo viver em um mundo isolado, onde se justifica deixar de lado conceitos plurais tais como ética, estética e verdade. Para Platão “são vitoriosos os que alcançam o sucesso pelos próprios méritos”, trazendo à tona a virtude da diligência, do trabalho construtivo e disciplinado para que se consiga a vitória e, com ela, o mérito. Talvez, a mais emblemática citação sobre o mérito, na visão de um gênio da sabedoria, seja a famosa “Parábola dos Talentos”. Nela se expressa a ideia de que a quem é confiado um “talento” (significando uma moeda da época, ou, em sentido figurado, uma virtude) é esperado que o multiplique e não que o deixe guardado; assim merecerá a consideração do seu senhor. Sem dúvida, uma exortação à ação meritocrática.

Valendo-nos, então, das lições dos mestres, entendemos que a meritocracia é crucial. Talvez não a forma como ela vem sendo abordada hoje pelas empresas. Ainda, como vimos, vigora a aplicação do mérito com baixo preparo para se compreender o “meio termo” do equilíbrio virtuoso. Esse equilíbrio advém da possibilidade de se olhar o mérito como consequência da competência, de se poder olhar para trás (para o que já ocorreu) mirando no que está à frente (para o que ainda poderá ocorrer). Em linguajar atual, a prescrição é realizar o “feedback” com vistas a melhor executar o “feedforward”. Enfim, isso equivale a desenvolver as pessoas conforme suas potencialidades para que contribuam de acordo com suas capacidades e sejam reconhecidas conforme seus méritos!

Em outras palavras, é importante ter o mérito como parâmetro de avaliação, mas que este seja feito com vistas a se preparar um novo ciclo de crescimento para todos. O segredo é correlacionar o mérito com a competência, olhar para trás e focar à frente, retificar vícios para fortalecer virtudes.

A avaliação de mérito (ou desempenho) precisa ser realizada após o aculturamento a um ambiente de confiança e motivação. Importante é ter realizado, a priori, uma verdadeira redefinição da arquitetura organizacional para que esta incorpore um “contexto capacitante”, com fatores higiênicos e motivacionais (na salutar concepção de Frederick Herzberg). Assim, num clima de profundo respeito humano e de cooperação coletiva, metas e atitudes são avaliadas conjuntamente, desempenho e competências (virtudes e valores) formam o pano de fundo para se pensar no futuro, no pleno desenvolvimento das potencialidades e pendores de cada um, alinhados com os grandes objetivos da organização.

Por meio de um sistema que incorpora o “feedback” e o “feedforward”, que procura fazer isso de forma a fortalecer o individual e, ao mesmo tempo, o coletivo, tem-se uma “Meritocracia Integral”. Nesta não é possível ver o mérito de forma parcial e simplista, mas por intermédio de uma série de ações concatenadas e equilibradas, para que as dificuldades inerentes ao processo sejam mitigadas. Abre-se o caminho para uma gestão de talentos que pode propiciar amplos resultados a todos. Está aí uma oportunidade para se reinventar a já tão desgastada área de “Recursos” Humanos!


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